Zaida Charepe: "Direito das Crianças à Esperança em tempos desafiantes"
No dia 20 de março pretende assinalar-se o Dia Nacional da Esperança, um objetivo para o qual investigadores e profissionais de saúde têm trabalhado desde 2015. Já em 2018, foi oficialmente pedida a criação do Dia Nacional da Esperança, através da petição entregue na Assembleia da República, que reunia mais de 7 mil assinaturas.
Frisando a importância desta efeméride, Zaida Charepe, docente da Escola de Enfermagem (Lisboa) do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, e coordenadora do Projeto Hope2Care, assinala a data com um artigo de opinião questionando o Direito das Crianças à Esperança perante uma Humanidade Multidesafiada: Verdade ou Consequência?
“Todos os dias falamos das crianças, dos seus direitos e dos deveres da comunidade para com a sua proteção e cuidado global. Tendo em conta os inúmeros desafios associados ao confronto da humanidade com as ameaças globais, estes direitos e deveres merecem um especial destaque.
Lendo e interiorizando a Convenção sobre os Direitos da Criança, constatamos que os conflitos ativos no Mundo têm fragilizado o direito das mesmas à não discriminação, à proteção do seu interesse superior, à sua participação na sociedade, sobrevivência e desenvolvimento.
A desvinculação das crianças ao que conhecem, ao que lhes foi garantido como adquirido e que lhes pertence, quer por doença, guerra ou condição social, é um facto em pleno século XXI. A vulnerabilidade percecionada por todas estas crianças e outras que, afastadas do seu meio natural, por viverem com uma doença crónica e incapacitante, em pobreza ou precárias condições de vida, torna imprescindível colocar no debate público a Esperança.
Sabemos que as crianças têm uma natural conceção de olhar o futuro com esperança. Para as crianças, esperança significa brincar, ser livre, sentir o coração a bater mais forte, ter amigos, família e pertencer a uma comunidade que as abraça infinitamente.
As comunidades são consideradas terreno fértil para colocarmos as sementes de esperança de cada criança. Criança na sua singularidade, Criança no ser-se e no sentir-se. Mas como semeamos este terreno? Como o nutrimos adequadamente em tempos de incerteza?
A comunidade precisa de se nutrir a partir da entreajuda, de relações altamente significativas e colaborativas. Mas para ser nutrida, precisa de esperança. Esperança, o tal “algo” subjetivo que não se vê, mas que se encontra na invisibilidade ou nos bastidores das emoções humanas. O que sabemos, é que a Esperança é essencial à experiência humana, a boia de salvação, o que nos resta … por vezes apenas.
Quando abordamos os relacionamentos humanos, abordamos a esperança. A esperança do que fomos, do que somos e do que seremos … cada um … no coletivo. E a criança está no centro, no futuro e na esperança de cada comunidade, independentemente do seu ambiente e condição de saúde, económica e/ou social. Por vezes, em tempos de incerteza não temos sementes, mas temos os desejos que as transportam … então pedimos ajuda, partilhamos, procuramos a exceção aos problemas, valorizamos aquilo que faz funcionar cada família, cada comunidade, cada sistema humano, mesmo perante a adversidade mais ou menos contundente.
Depois de semeada a esperança, há Tempo. Tempo para descobrir, tempo para aprofundar, tempo para crescer. As crianças descobrem, aprofundam experiências e crescem. Podemos concluir que quando semeamos as sementes da esperança, estamos a nutrir a própria criança.
De quanto tempo precisamos? E como podemos envolver-nos em tempos desafiantes, como os que vivemos na atualidade? Acreditando no papel de cada família, de cada comunidade.
Cada elemento da comunidade, essa comunidade que é fértil e profícua na arte secular de semear, deixa nas crianças um pouco de grande de si. Deixa a ação da esperança, deixa objetivos e desejos para um futuro que se constrói em cada etapa do seu desenvolvimento e crescimento. Cada criança representa um ATRIBUTO de Esperança, para cada comunidade: a Maria, que é corajosa; O Luis, que é confiante; o Mário, o aventureiro do bairro; A Luisa, que é uma grande contadora de histórias...
Dizia Maria Montessori “As crianças são investidas de poderes não conhecidos, que podem ser as chaves de um futuro melhor».
Poderes (conhecidos como talentos, ou atributos, ou forças) nutridos pelas famílias, pelas comunidades, pelos profissionais da ação social, da saúde, da educação e tantos outros. Mas o que temos de lembrar neste processo de florescimento, que leva tempo, é que temos de o cuidar diariamente. Cuidamos, quando a nossa linguagem permite a valorização, permite a escuta, permite acolhermos e valorizarmos a comunidade nas suas experiências de vulnerabilidade, recorrendo às suas forças vitais e aos seus melhores atributos. Então, o solo que permitiu alojarmos as nossas sementes, tem ingredientes próprios para um germinar no tempo certo.
Quanto aos resultados, esses temos de esperar para ver;
Flores de muitas cores e formatos. Mas ainda assim, flores. Quando não soubermos o caminho … sabemos o que é mais certo: AGRADECER E OFERECER A NOSSA ESPERANÇA. Como? Deixando-a transparecer em símbolos, mensagens, gestos, presença, que precisam da FLOR. Aquela que germinou da comunidade que se nutriu e onde se semeou a esperança.
As famílias, os pais, as crianças têm direito à ESPERANÇA! E nós, comunidade o dever de a NUTRIR.”
Categorias: Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem (Lisboa) Ensinar & Investigar em Lisboa
Seg, 20/03/2023